terça-feira, 9 de agosto de 2011

Uma Parábola do Calvinismo


Uma Parábola do Calvinismo

Brenda B. Colijn

Uma das questões levantadas pelo atual debate sobre a abertura de Deus é que tipo de Deus é exigido pelas diferentes teologias envolvidas no debate. Por exemplo, o teólogo reformado Bruce Ware descreveu o Deus do teísmo aberto como um “Deus limitado, passivo, excessivamente preocupado.”[1] O teísta aberto Clark Pinnock cita a descrição de Walter Kasper do Deus do teísmo clássico como “um ser narcisista solitário, que sofre de sua própria plenitude.”[2] No mínimo, o teísmo aberto forçou os evangélicos a reexaminarem seu entendimento da natureza e caráter de Deus.

Eu abordo a doutrina de Deus de uma perspectiva anabatista, que tecnicamente não é arminiana (visto que o Anabatismo antecede a controvérsia arminiana dentro da tradição reformada), mas decididamente é não-calvinista. De uma perspectiva anabatista, o Deus da teologia reformada sofre de limitações significativas, embora essas limitações se aplicam ao seu caráter antes que ao seu conhecimento. Ainda que alguém concorde com os calvinistas (como muitos anabatistas e arminianos concordariam) que Deus tenha pré-conhecimento preciso exaustivo, o entendimento calvinista da salvação tem implicações significativas para o caráter de Deus que não são frequentemente expostas. Deixe-me ilustrar isto com uma parábola.

O reino de Deus é como um cruzeiro que parte para uma longa viagem. O capitão do navio ouve por acaso que seus passageiros planejam nadar ao lado do navio. Ele anuncia a todos os passageiros, alertando-os contra tal atitude. Se eles pularem do navio, serão incapazes de subir de volta, visto que o casco é íngreme demais e não há escadas que dão acesso. O navio está centenas de milhas da terra firme, então eles não serão capazes de nadar até a costa. As águas circunjacentes estão infestadas de tubarões. Todavia, apesar das advertências do capitão, todos os passageiros se jogam ao mar para nadar. Não demora muito para estarem com sérios problemas.

Vendo sua angústia, o capitão transmite uma mensagem a todos eles. Ele diz que pode resgatá-los todos; para serem resgatados, tudo que eles precisam fazer é agarrar um salva-vidas que ele irá lançar-lhes. Então ele tira alguns salva-vidas e instrui sua tripulação a lançá-los a certos passageiros que ele escolheu. Para os outros passageiros, ele não faz nada. Ele continua a difundir sua mensagem que ele precisam apenas agarrar o salva-vidas a fim de serem resgatados. Algumas das pessoas com salva-vidas lhes imploram para ajudar os passageiros que estão se afogando. O capitão os ignora. Com sua mensagem de resgate ainda soando na água, ele assiste ao restante dos passageiros morrerem. Quando questionado por que ele não resgatou os outros, ele diz que todos eles mereciam morrer, e eles deviam ser gratos por ter escolhido salvar alguns deles.

O que pensaríamos de um capitão que fizesse estas coisas? Esta é uma parábola do Calvinismo, e o capitão do cruzeiro é o Deus calvinista. Todos os cristãos ortodoxos creem que os seres humanos estão em perigo de morte eterna por causa do pecado, e sua única esperança é ser resgatado por Deus. Deus provê este resgate através da obra de Cristo (a expiação). Ninguém pode ser resgatado a menos que Deus tome a iniciativa, lhes estenda a mão com a oferta de resgate, e o capacite a recebê-la.

Mas os calvinistas e os não-calvinistas diferem em seu entendimento das intenções e ações de Deus a respeito do resgate. Os anabatistas e os arminianos creem que Deus deseja resgatar todos, convida todos a serem resgatados, e capacita todos que ouvirem o convite para responder. As pessoas podem aceitar ou rejeitar o convite. Os calvinistas, entretanto, creem que Deus estende dois convites diferentes – um “chamado geral” que convida todos a serem resgatados (ao qual as pessoas são impotentes a responder) e um chamado “especial” ou “eficaz” dirigido a certos indivíduos (que os capacita a responder e assegura esta resposta). Ele então condena todos aqueles a quem ele não deu o chamado eficaz. As orações do povo de Deus não tem nenhum efeito sobre este plano que Deus estabeleceu desde a eternidade.[3] O “chamado geral” para responder ao evangelho não é tecnicamente uma mentira, visto que aquele que responde é salvo.[4] Entretanto, ele é certamente enganoso, porque ele retém informações críticas e ilude as pessoas sobre as reais intenções de Deus.[5] Ele implica que todos podem responder, quando de fato eles não podem. Ele também implica que Deus quer que todos sejam resgatados, quando de fato ele quer que muitos deles morram.[6] A distinção entre o chamado geral e o especial, eficaz, significa que os calvinistas devem pressupor uma vontade secreta de Deus que está em desacordo com a vontade revelada de Deus no evangelho.[7]

É claro, há diferentes versões do Calvinismo que exigiriam versões levemente diferentes da parábola. Na versão supralapsária da parábola, o capitão planeja o cruzeiro a fim de precisamente trazer o cenário do afogamento. De fato, ele seleciona a maioria das pessoas para a lista de passageiros porque ele quer matá-las. Na versão infralapsária, o capitão fica sabendo dos planos dos passageiros após ele ter agendado o cruzeiro. Conhecendo seus planos, ele leva somente salva-vidas suficientes para aqueles indivíduos que ele decidiu salvar. Na versão sublapsária, o capitão leva salva-vidas suficientes para todos os passageiros, mas planeja não usar a maioria deles.[8]

Até aqui, a parábola assumiu que os passageiros acabaram na água por causa de suas próprias escolhas livres. Entretanto, se a visão calvinista da soberania controladora exaustiva de Deus está correta – isto é, se Calvino está certo que Deus causa todas as coisas[9] – então o próprio capitão do cruzeiro na verdade lança seus passageiros na água e abastece as águas com tubarões.[10]

Além disso, de acordo com a própria perspectiva de Calvino, o capitão intencionalmente dá a alguns dos passageiros que se afogam salva-vidas defeituosos. Eles se agarram a eles agradecidamente, achando que estão seguros, somente para descobrir que após um tempo os salva-vidas se desinflam e eles se afogam. Conforme uma passagem nas Institutas de Calvino, alguns dos reprovados experimentam uma “operação inferior do Espírito” pela qual Deus lhes concede uma percepção de sua bondade e favor e até mesmo lhes dá o dom da reconciliação, para que possam pensar estar entre os eleitos. Mas Deus nunca os regenera. Após um tempo ele se afasta deles, permite que a luz de sua graça seja extinta, e os condena. Deus faz isto “para torná-los mais culpados e inexcusáveis.”[11] Wesley apelidou esta noção de “graça condenatória,” uma vez que a intenção de Deus ao conferir bênçãos sobre os reprovados é aumentar a sua condenação.[12]

Pode ser objetado que a parábola do cruzeiro faz os passageiros parecerem inocentes demais. Afinal, os seres humanos estão em rebelião contra Deus e são inimigos de Deus. Assim, vamos mudar a parábola....

Dois países estão em guerra um com o outro. O capitão de um destróier fica patrulhando uma área do oceano onde ele sabe que um submarino inimigo foi avistado. Ele sabe que este submarino destruiria seu navio caso fosse dado chance. Entretanto, ele surpreende a tripulação do submarino inimigo na água no meio dos destroços de sua embarcação, que foi destruída por sua própria incompetência. O capitão tem seus inimigos em seu poder. Embora tenha tempo e recursos para salvá-los todos, ele diz à sua tripulação para separar alguns deles da água, e ele asssiste ao afogamento do restante. O que pensaríamos de um capitão que fizesse isto? Sob os termos da Convenção de Genebra, ele poderia ser julgado como um criminoso de guerra.

Teólogos reformados geralmente dirão que não podemos julgar o comportamento de Deus por nossas próprias ideias de certo e errado.[13] A vontade de Deus determina o que é bom, assim o que quer que ele faz ou comanda é bom por definição.[14] Visto que Deus é o soberano do universo, ninguém pode chamá-lo a prestar contas.[15] Seus caminhos, afinal de contas, não são nossos caminhos (Is 55.8, 9). O barro não tem direito de questionar o oleiro (Rm 9.20).

Entretanto, a Escritura não deixou esta avenida aberta para nós. Somos repetidas vezes chamados a moldar nossa ética pelo caráter e comportamento de Deus, especialmente conforme exemplificado em Jesus Cristo. “Sejais santos, porque eu sou santo” (Lv 11.45). “Vede o que fazeis; porque não julgais da parte do homem, senão da parte do SENHOR, e ele está convosco quando julgardes. Agora, pois, seja o temor do SENHOR convosco; guardai-o, e fazei-o; porque não há no SENHOR nosso Deus iniquidade nem acepção de pessoas, nem aceitação de suborno” (2Cr 19.6, 7). “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.48). “Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso” (Lc 6.35, 36). “Como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis” (Jo 13.34). “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (1Co 11.1). “Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós, antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo. Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 4.31-5.2). “Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou” (1Jo 2.6). Isaías observa que os caminhos de Deus não são nossos caminhos precisamente porque Deus mostrará misericórdia e abundantemente perdoará (Is 55.6, 7). Deus ensina Jeremias na casa do oleiro que ele adapta seu comportamento em relação ao seu povo de acordo com sua resposta a ele (Jr 18.5-11). Deus não tem prazer na morte do ímpio (Ez 33.11). Se Deus nos chama a modelar nossa ética pela dele e então não segue suas próprias regras, como podemos confiar nele em qualquer coisa?

O Deus do Calvinismo tem uma vontade secreta que contradiz sua vontade revelada. Ele comanda uma coisa e então faz o oposto. Ele pratica engano em seu anúncio da mensagem do evangelho. Ele deriva igual glória da redenção dos eleitos e da condenação dos reprovados. O Deus de Calvino até mesmo gosta de divertir-se com os reprovados antes de condená-los.

Em contraste, os anabatistas acreditam que o caráter e o plano de Deus são revelados mais plenamente em seu filho Jesus Cristo. Como o anabatista do século dezesseis Pilgram Marpeck observa: “Deus é Deus de ordem e não de desordem, e ele firmemente uniu sua própria onipotência à sua vontade e ordem. Não é como os predestinacionistas e outros dizem, sem qualquer discriminação, que Deus tem o direito a toda salvação e condenação. Ele tem, certamente, mas não fora de sua ordem e vontade, a qual seu poder é subordinado.... [Ninguém deve] pregar o poder e a onipotência de Deus fora da ordem da Palavra de Deus.... Pois o próprio Deus é a ordem mais sábia em e pela sua Palavra, isto é, Jesus Cristo, seu unigênito desde a eternidade.”[16] A questão não é o que Deus pode fazer ou o que Deus tem o direito de fazer, mas o que ele escolheu fazer. Como Marpeck afirma, Deus escolheu revelar seu plano de salvação em Jesus Cristo. O Deus revelado em Cristo agiu em amor em relação ao mundo para oferecer nova vida a todo aquele que crer (Jo 3.16). Que capitão você preferiria que tivesse no governo do universo?

Tradução: Paulo Cesar Antunes




[1] Bruce A. Ware, God’s Lesser Glory: The Diminished God of Open Theism (Wheaton, IL: Crossway, 2000), 216.
[2] Clark H. Pinnock, Most Moved Mover: A Theology of God’s Openness (Grand Rapids: Baker, 2001), 6; citando Walter Kasper, The God of Jesus Christ(New York: Crossroad, 1984), 306.
[3] John Wesley propõe uma parábola similar. Dirigindo-se aos calvinistas, ele observa: “Você supõe que [Deus] esteja parado às portas da prisão, tendo as chaves em suas mãos, e esteja continuamente convidando os prisioneiros a saírem, comandando-os a aceitarem esse convite, afirmando todo motivo que possa possivelmente induzi-los a obedecerem a esse comando; acrescentando as mais preciosas promessas, se obedecerem, e as mais terríveis ameaças, se não obedecerem; e por todo este tempo você supõe que ele esteja inalteravelmente determinado em si mesmo a nuncar abrir as portas para eles, mesmo quando ele está implorando, ‘Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel?’... Meu Deus! Meus irmãos, que tipo de sinceridade é esta, que você atribuiu a Deus nosso Salvador?” John Wesley, “Predestination Calmly Considered,” em The Works of John Wesley (Grand Rapids: Zondervan, 1872), 10:227.
[4] João Calvino afirma que as promessas do evangelho são estendidas a todo aquele que tem fé – e Deus dá a fé somente aos indivíduos que ele predestinou para salvação. Institutes of the Christian Religion, 2 vols., ed. John T. McNeill (Philadelphia: Westminster, 1960), 3.24.17.
[5] Alguns calvinistas creem que a igreja deveria seguir o exemplo da ilusão de Deus e publicamente pregar “quem quer” enquanto, em privado, ensinar a eleição particular incondicional. Bruce Demarest chama isto de a “diferenciação bíblica” entre a “universalidade kerygmática” e a “particularidade didática”. The Cross and Salvation (Wheaton, IL: Crossway Books, 1997), 142, usando termos de Paul K. Jewett, Election and Predestination (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), 118. O próprio Calvino parece defender a pregação do chamado universal e da doutrina da eleição particular incondicional: “Cristo preceitua que se creia nele. Todavia, sua determinação nem é falsa, nem contrária ao preceito, quando diz: ‘Ninguém pode vir a mim, senão aquele a quem foi dado por meu Pai’ [Jo 6.65]. Portanto, que esta doutrina tenha seu curso de pregação, pregação esta que conduza os homens à fé e, com proveito contínuo, os mantenha na perseverança. Nem tampouco seja impedido o conhecimento da predestinação, para que aqueles que obedecem não se ensoberbeçam como se proviesse deles mesmos, mas se gloriem no Senhor.” (Institutas, 3.23.13). Todavia, Calvino adverte contra pregar a reprovação publicamente, porque ela poderia encorajar a maldade (3.23.14).
[6] Os calvinistas parecem crer que a glória de Deus seria diminuída se ele oferecesse salvação a todos e desse a todos a oportunidade para responder. Calvino afirma que Deus predestinou os reprovados à condenação de forma que eles “glorificarão seu nome por sua própria destruição” (Institutas, 3.23.6; veja também 3.24.14). Aparentemente, Deus deve condenar algumas pessoas a fim de mostrar que ele pode.
[7] Em seu comentário sobre 2Pe 3.9, que diz que Deus não quer que ninguém pereça, Calvino afirma: “Mas pode ser perguntado, Se Deus não quer que ninguém pereça, por que é que muitos perecem? A isto minha resposta é, que nenhuma menção é feita aqui do propósito oculto de Deus, de acordo com o qual os reprovados são condenados à sua própria ruína, mas somente de sua vontade conforme tornada conhecida a nós no evangelho. Pois Deus ali estende sua mão sem diferença a todos, mas segura somente aqueles que ele escolheu desde a fundação do mundo, para levá-los para si mesmo.” Commentaries on the Catholic Epistles, ed. e trad. John Owen, edição Christian Classics Ethereal Library; disponível em http://www.ccel.org/c/calvin/comment3/comm_vol45/htm/vii.iv.iii.htm; Internet; acessado em 1º. de novembro de 2003.
[8] No Calvinismo supralapsário, o decreto de Deus de salvar alguns e condenar outros tem prioridade sobre seu decreto de criar o mundo. Ele portanto cria os reprovados precisamente a fim de condená-los por toda a eternidade. No Calvinismo infralapsário, o decreto de Deus de salvar alguns segue logicamente seus decretos de criar o mundo e permitir a queda. Ele escolhe alguns para salvar e deixa o restante em sua condenação. Ele provê expiação em Cristo somente àqueles que decidiu salvar. O Calvinismo sublapsário é parecido com o Calvinismo infralapsário, exceto que Deus provê expiação em Cristo que é suficiente para o mundo, ainda que ele a aplicará somente a certos indivíduos eleitos. Para uma discussão destas três variedades de Calvinismo, veja Millard J. Erickson, Christian Theology, 2nd ed. (Grand Rapids: Baker, 1998), 842-843.
[9] “Quando, porém, não por outra razão haja de antemão visto as coisas que hão de acorrer, senão porque assim decretou que acontecessem, em vão se move litígio acerca da presciência, uma vez ser evidente que todas as coisas sucedem antes por sua ordenação e arbítrio” (Institutas 3.23.6). Veja também 1.16.3; 1.18.1.
[10] Os calvinistas sempre enfrentam dificuldade para explicar como Deus pode causar tudo e todavia não ser o autor do pecado. Louis Berkhof afirma francamente: “Diz-se que, se a vontade decretatória de Deus determinou também a entrada do pecado no mundo, com isso Deus é o autor do pecado e realmente quer uma coisa contrária às Suas perfeições morais.... Os teólogos reformados (calvinistas), embora mantendo, com base em passagens como At 2.23; 3.8; etc., que a vontade decretatória de Deus inclui também os atos pecaminosos do homem, sempre têm o cuidado de assinalar que se deve conceber isto de modo que não se faça de Deus o autor do pecado. Admitem francamente que não podem resolver a dificuldade....” Teologia Sistemática, 3ª. Edição (Campinas: Luz para o Caminho Publicações, 1990), 81. Berkhof diz que é aceitável pensar em Deus permitindo antes que causando o pecado, contanto que se tenha em mente que “a vontade de Deus de permitir o pecado leva consigo a certeza de que o pecado virá a ocorrer” (81). Calvino mesmo reconhece que Deus é o autor do pecado; sua principal preocupação é mostrar que os pecadores não são com isso absolvidos de culpa (Institutas, 3.23.3). Ele declara que ambos o decreto secreto de Deus da predestinação e a própria perversidade da humanidade causaram a queda: “Portanto, o homem cai porque assim o ordenou a providência de Deus; no entanto, cai por falha sua” (3.23.8). Ao responder à acusação de que a vontade secreta de Deus (para causar o pecado) contradiz sua vontade revelada (que proíbe o pecado), ele apela ao mistério: “Quando não apreendemos como Deus queira que se faça o que proíbe fazer, venha-nos à lembrança nossa obtusidade, e ao mesmo tempo consideremos que a luz em que ele habita não em vão se chama inacessível [1Tm 6.16], já que de trevas é rodeada” (1.18.3). Bruce Ware argumenta que Deus causa o mal (God’s Lesser Glory, 204-205), mas não é o agente direto do mal: “Deus ordena o mal, usa o mal e cumpre propósitos infinitamente bons através do mal, mas ele nunca faz o mal” (212). Dessa forma, Deus evita ser o responsável pelo pecado terceirizando-o.
[11] Calvino, Institutas, 3.2.11-12. Os calvinistas modernos geralmente não têm ousadia de seguir Calvino neste ponto.
[12]Wesley, “Predestination,” 10:229.
[13] Calvino observa: “Pois de fato Agostinho afirma que agem perversamente aqueles que medem a justiça divina com a medida da justiça humana” (Institutas, 3.24.17).
[14] “Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo” (Calvino,Institutas, 3.23.2). Isto é algumas vezes conhecido como a “teoria da ética do comando divino.” Tanto Lutero quanto Calvino apelaram a esta visão para apoiar sua crença na predestinação. Jerry L. Walls, “Divine Commands, Predestination, and Moral Intuition,” em The Grace of God, the Will of Man: A Case for Arminianism, ed. Clark H. Pinnock (Grand Rapids: Zondervan, 1989), 261, 264-265.
[15] R. K. Wright tem uma atordoante resposta para o papel de Deus no problema do mal: Deus causa o mal mas ele não é responsável por ele, porque ele não deve explicações a ninguém. Deus é responsável pelo mal uma vez que ele “criou um mundo no qual o mal era inevitável,” ele permite que o mal continua existindo, e ele preserva o mundo “de tal modo que os males continuam.” Todavia, “Deus não é responsável pelo mal no sentido em que ele não é responsável perante ninguém. Ao contrário, o pecador é responsável diante de Deus.” A Soberania Banida: Redenção para a Cultura Pós-Moderna(Cambuci, SP: Editora Cultura Cristã, 1998), 217, 218. Em outras palavras, Deus não pode ser considerado responsável pelo mal porque ninguém é poderoso o suficiente para considerá-lo responsável. Para Deus, o poder torna certo. Wright reconhece que o Deus onisciente pode parecer o ser mais culpável pelo mal, porque um maior conhecimento acarreta uma maior responsabilidade. Todavia, “não há ninguém contra quem ele possa pecar, porque sua vontade é o padrão do bem” (218).
[16] The Writings of Pilgram Marpeck, ed. e trad. William Klassen e Walter Klaassen (Scottdale, PA: Herald Press, 1978), 341.